Por Alberto Giovanelli
Há várias semanas, um povo mobilizado encurrala o governo de José Raúl Mulino. Décadas de descontentamento social eclodiram em protestos massivos, aos quais o governo responde com sua estratégia de mão pesada, que não conseguirá pacificar o país.
Bocas del Toro, o centro da rebelião
Embora muitos setores populares tenham saído às ruas com combatividade exemplar, hoje na vanguarda desse processo está a província de Bocas del Toro, no norte do país, na fronteira com a Costa Rica. Durante décadas, a indústria bananeira e o turismo ditaram o ritmo nessa região, que se tornou sinônimo das manifestações que sacodem o país desde abril.
Lembramos que a reforma da previdência, os planos de reabertura de uma mina de cobre, o acordo para a construção de barragens no rio Índio e a assinatura de um memorando de entendimento entre o Panamá e os Estados Unidos contribuíram para os protestos, que se traduziram em greves de professores, trabalhadores da indústria da banana, trabalhadores da construção civil e estudantes.
A situação provocou uma polarização violenta no país e uma tensão social generalizada que expressa não apenas o descontentamento com o governo Mulino, mas também o acúmulo de problemas e queixas sem solução há décadas, como segurança, saúde pública e acesso à água potável.
Os últimos protestos demonstraram a determinação do Estado em ignorar a lei e a Constituição para defender os interesses de grandes grupos econômicos e confirmaram, mais uma vez, a justificada desconfiança do povo panamenho em suas instituições.
O Governo e uma única resposta: repressão
O governo do presidente Mulino respondeu com crueldade e brutalidade, reforçando a presença policial, cortando a internet e suspendendo a liberdade de reunião e movimento, aplicando o que foi denominado de Operação Ômega, que levou a denúncia de vários desaparecimentos em Bocas del Toro, incluindo o do reconhecido ativista do Magistério, Santiago Lorenzo, mais de 300 prisões e pelo menos duas mortes por balas da polícia.
Neste momento, a extensão do estado de emergência também foi anunciada em Bocas del Toro e Changuinola.
Os espaços de diálogo promovidos por setores da oposição ou pela própria Igreja Católica não conseguiram estabelecer uma ponte de comunicação, gerando incerteza, mesmo entre os setores dominantes que ainda não encontraram um canal para desmantelar os protestos.
A importância geopolítica: o Canal do Panamá
Atualmente, o Panamá não trava apenas uma batalha interna, mas o memorando de entendimento sobre a Defesa, que o governo Mulino assinou com Washington em abril passado, também é um dos gatilhos para os protestos.
O acordo permite que os Estados Unidos mantenham presença em áreas específicas; no entanto, grande parte da população teme que estas sejam bases militares camufladas. Para os Estados Unidos, o Canal do Panamá é uma necessidade, e o que fizeram foi inventar uma mentira sobre a presença da China no Panamá para gerar este memorando de entendimento, que evidentemente viola todas as normas do direito internacional.
Ausência da oposição
A resposta dos partidos políticos burgueses e de representantes públicos tem sido morna. Em 30 de abril, uma coalizão de ativistas, políticos independentes e representantes de todos os partidos patronais assinou uma declaração condenando o memorando e conclamando os panamenhos a defenderem sua soberania em fóruns internacionais. A declaração, que pretendia demonstrar consenso dentro da classe política tradicional, não abordou questões relacionadas à mina e à privatização da previdência social.
O panorama político partidário tradicional do Panamá tem sido historicamente baseado em corrupção, clientelismo, disputas entre elites e graus variados de lealdade aos Estados Unidos e ao livre mercado. Isso se tornou ainda mais evidente sob o governo Mulino, já que as linhas entre governo e oposição no Panamá estão mais difusas do que o normal. O Partido Revolucionário Democrático (PRD), de suposta tendência social-democrata, apesar de ser a única força que votou em bloco contra a privatização da previdência social, frequentemente colabora com Raúl Mulino em matéria legislativa.
Aprofundar a coordenação e organizar a greve geral
Entendemos, então, que as condições exigem a mais ampla unidade e coordenação de todos os setores em luta para lançar a greve geral até a queda de Murilo. Diferentes setores estão se unindo a essa exigência e começa a se debater como seguir.
Uma saída alternativa revolucionária e socialista
Urge começar a unir os diferentes setores em luta até que Murilo seja derrotado e surja de baixo o chamado e a organização de uma Assembleia Constituinte, onde a reorganização do país em benefício dos pobres possa ser debatida. E que os setores que estão cientes de que a luta deve continuar até que um governo de trabalhadores, povos indígenas e jovens, que são os que hoje enfrentam o governo nas ruas, se organizem.
A busca por essa saída é o único caminho para defender os direitos democráticos e sociais, que só alcançaremos derrotando o estado capitalista e impondo um governo com participação real dos explorados e oprimidos na tomada de decisões, onde a direção econômica e política emerja de baixo, dos distintos setores populares.
A elaboração conjunta entre camaradas panamenhos e nossos companheiros do resto do istmo Centro-americano nos permitiu acompanhar, desde toda a LIS, a experiência e a deliberação política com os setores em luta e propor um programa político para a situação atual. Participamos da campanha pela liberdade dos dirigentes e contra a repressão e o congelamento de contas pelo SUNTRACS, e contra a expulsão da Universidade do Panamá do companheiro estudante Eduardo García, da FER-29 (em cujo caso, a sanção foi felizmente suspensa devido à pressão nacional e internacional). A colaboração com os companheiros que se encontram no terreno foi e continua sendo muito importante, e fazemos um chamado aos revolucionários anticapitalistas panamenhos a se organizarem e se reagruparem em torno dessas tarefas fundamentais para incidir realmente neste importantíssimo processo em curso.
Avançar em direção à construção de uma alternativa política revolucionária, democrática e socialista é urgentemente necessário no Panamá e em todo o mundo. É uma tarefa imediata, não um projeto futuro. Nós, socialistas revolucionários, não devemos perder a oportunidade de contribuir para a organização dos trabalhadores jovens e das populações hoje em luta e radicalizadas. A Liga Internacional Socialista (LIS) dedica todos os seus esforços a essa tarefa.